quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Meu herói, segundo Sandro Vaia

Oliva, mil prédios. E uma caixa de lápis de cor
por Sandro Vaia

Houve um tempo em que empresários eram chamados de “capitães da indústria”, quase sempre em tom de bajulação.
Francisco de Assis Cechelli Oliva, que morreu nesta sexta-feira, dia 28 de novembro de 2014, aos 88 anos, um dos fundadores da Astra, detestaria ser chamado de capitão de qualquer coisa.
Oliva, formado em engenharia na Politécnica, onde depois foi professor, era um criador de coisas, um empreendedor, um daqueles personagens que preencheriam uma temporada inteira daquele programa publieditorial de sucesso na TV nos anos 90, “gente que faz”.
Magro como um passarinho, frugal, discreto, casado com Ana Maria e pai de 3 filhas (Mônica,Patrícia e Regina), avô de cinco e bisavô de um, Oliva, que além de criar a Astra,a Finamax e a Malota, plantou centenas de prédios em toda a cidade onde moram milhares de famílias de todas as classes sociais, tinha um espírito público e um senso de justiça indestrutíveis.
Foi por esses princípios que guiou a sua vida.
Por isso, durante o período 1973-1977, em plena ditadura militar, juntou-se a um grupo de pessoas para criar o “Jornal de Segunda-Feira”, para fazer oposição cerrada à administração do prefeito Ibis Cruz, um arenista acusado de favorecer, em concorrências suspeitas, negócios com empreiteiras em obras urbanas de Jundiaí. Empreiteiras com ligações em altas esferas, que removiam obstáculos legais (como o limite de endividamento da cidade) em uma penada, por “ordens de cima”. 
O jornal era a trincheira escrita onde se denunciavam irregularidades na administração da cidade, e onde, de quebra, inflitrava-se um pouco do espírito anarquista do “Pasquim”, o grande fenômeno editorial da época, que tratava as mazelas do governo militar com um misto de deboche, ironia e crítica reflexiva séria.
Oliva, Admércio Lourenção, Virgilio Torricelli, Mano de Souza, Celso de Paula, Araken Martinho, dr. Araújo, que assinava Bartimeu, Carlos Veiga, Erazê Martinho, André Benassi e muitos outros foram ao combate e fizeram sem querer -e talvez sem saber – uma revolução na imprensa da cidade. Nunca antes uma administração pública foi tao vigiada e vasculhada, tanto que o prefeito da época nunca mais se elegeu para qualquer cargo público, e a construtora Andrade Gutierrez, favorecida por uma concorrência fraudulenta para construir a avenida 9 de Julho foi condenada em uma ação popular a ressarcir os cofres públicos.
Nem só de grandes causas e grandes empreendimentos se ocupava o dr. Oliva. Quando viajava ao exterior, sempre tinha o cuidado de comprar um belo sortimento de lápis de cor para dar de presente ao Nardinho, um tocador sobrenatural de cavaquinho, uma verdadeira lenda viva, e que tinha os seus arroubos  de artista “naif”. Nardinho desenhava bucólicas paisagens rurais onde o curso de um rio era interrompido por uma cerca, onde um aviãozinho sobrevoava paisagens pastoris, onde vacas pastavam ao lado de misteriosas linhas de trens interrompidas bruscamente por montes inescaláveis.
Oliva ouvia o cavaquinho de Nardinho e Zé Coveiro, o violão de Zé Danon, curtia a voz de Cacilda Romero, o pandeiro do Iólice, e seu espírito de Mecenas não declarado, o levou a criar os concertos Astra-Finamax, a mais formidável série de espetáculos de música erudita e popular já oferecida à população da cidade, a preços realmente populares. 
À rigorosa exatidão de um engenheiro formado na Poli, depois professor da mesma Poli, consultor financeiro de grandes empresas, como o Itaú, mais tarde dono de sua própria financeira, Oliva somava seu espírito visionário.
Uns 15 anos atrás, quando a redação do “Jundiaí Hoje”, jornal fundado sem sua participação mas com sua ajuda e seu incentivo, se instalava na rua do Retiro, no topo de um enorme terreno que começava na avenida 9 de Julho, ele descrevia com minúcias o Beco Fino que iria nascer ali anos mais tarde, e qual seria sua função na vida cultural, recreativa e empresarial  da cidade. Não tinha pressa. Mas era exato em tudo o que previa, em tudo o que fazia.
Li no JundiAqui sobre sua morte, e a nota dizia que  ele era patrão de 3 mil jundiaienses. Outra palavra que ele detestaria: patrão. Oliva não era patrão. Era um criador, que fazia coisas, criava empregos, montava empresas, inventava produtos, erguia edifícios, dirigia equipes, defendia princípios, e se ganhava muito dinheiro com isso ele não se importava e nem saberia como usá-lo em proveito próprio – tanto que tomava seus parcos goles de vinho ou vermute em copos americanos como se fossem de cristal da Boêmia – apenas replicava o sonho dos founding fathers da América, que era a de criar uma comunidade de homens livres, responsáveis e onde a igualdade de oportunidades fosse a matriz da prosperidade de todos.
Morreu com seu sonho: em vez de pular numa piscina de moedas, como Tio Patinhas, queria fazer um jornal de literatura e poesia. Quem sabe não poderia nascer  aí um novo Drummond?
Texto originalmente publicado em http://www.jundiaqui.com.br/?p=7536


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