sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Dr. Oliva, avô





Dr. Oliva, avô
por Ana Oliva

A lembrança mais antiga que tenho de meu avô é de quando eu era bem pequena, com uns três anos de idade. Pode soar estranho para quem me conhece e sabe o que ele significa na minha vida, mas ele se divertia fazendo cara de sério e me vendo correr atrás de minha avó gritando, “Vavá! Vavá!”, com medo dele. Engraçado como hoje enxergo nessa brincadeira uma de suas primeiras demonstrações de amor e também de como nós cresceríamos cúmplices um do outro.

Sempre que alguém me pede para falar do “Dr. Oliva”, disparo sem pensar: “ele foi professor, herói, confidente, psicólogo, porto seguro, amigo, guru”. Pode parecer exagero de neta apaixonada, mas a verdade é que devo a ele grande parte de minha formação moral, ética, familiar e emocional. Para cada um desses títulos, tenho várias histórias a contar, posso passar horas falando sobre ele, sempre com olhos marejados por uma saudade recente e ainda difícil de suportar, mas também com um sorriso de quem aproveitou sua presença. 

O avô herói tentou salvar minha vida quando eu era criança. Todo final de ano, nossa família passava uns dias na praia de Juqueí, e nós adorávamos pegar jacaré. Um dia, a onda me levou e ele – que nem sabia nadar direito – mergulhou e tentou me tirar de lá, mas foi levado junto pela correnteza. Sorte que nos puxaram do mar rapidamente, mas meu avô acabou pegando pneumonia.

O professor me ensinou de tudo. Na escola, história, geografia e principalmente, matemática. Era rigoroso e não me deixava decorar nada, nem a tabuada. “Tem que aprender por dedução”, dizia. Mas esse não foi seu maior ensinamento, claro. Sempre trabalhou duro e tinha o cuidado de não nos deixar perder de vista o valor das coisas. Passar de ano era obrigação. Presentes, só no Natal, aniversário e quando voltava de viagem. Eu sonhava com as caixas de lápis de cor que costumava trazer.

Ele sempre nos deu liberdade e respeitava nosso jeito de ser. Os filhos e netos eram tratados igualmente, e esse senso de justiça foi sem dúvida uma de suas marcas. Preocupava-se com nossa formação nos mínimos detalhes, o que nem sempre nos deixava felizes. Costumávamos passar alguns finais de semana em São Paulo, mas enquanto a gente queria comer no Dunkin’ Donuts e brincar no Playcenter, ele nos levava a restaurantes e museus. O divertido mesmo era ficar no hotel, no centro da cidade. Uma vez, perderam nossa reserva e o gerente colocou toda a família num quarto enorme, foi uma festa. 

Eu e meu irmão Paulo adorávamos brincar no escritório dele, foi assim que começou nossa vida de “executivos”. Paulo era o meu avô e eu, sua secretária. Só quando nossa irmã mais nova Rita cresceu é que passou a fazer parte da brincadeira, no papel de faxineira. Ela ficava chateada quando nós a demitíamos. Hoje penso no quanto meu avô repetia que a grande riqueza é criar empregos, uma ironia engraçada quando lembro dessa época.

Eu achava o máximo visitar a fábrica, era fascinada em ver os tanques de lavar roupa, achava aquilo lindo. Fui até fotografada quando criança dentro das banheiras para catálogo de produtos da Astra. Com espuma na cabeça, claro, só queria se fosse assim. 

Já adulta, comecei a seguir os passos do meu avô. Logo cedo, aos 17 anos, ele me fez aprender contabilidade “da vida real” trabalhando numa loja, em Jundiaí. Durante a faculdade, fui trabalhar no mercado financeiro em São Paulo, contra a sua vontade, até brigou comigo por um tempo. Depois quis fazer MBA fora, mas ele não deixou, sempre quis a família por perto, e hoje eu o agradeço por isso.

Talvez esse seja meu maior agradecimento, o de me manter por perto. Ele esteve ao meu lado nos momentos mais importantes de minha vida. Sempre forte, sempre presente, sempre ouvindo e me mostrando mais do que conseguia enxergar. O “Dr. Oliva” de tantos foi único para mim. Um grande homem para fora, mas aqui dentro, ele ocupou todos os espaços possíveis. Chorou ao meu lado, rimos muito juntos, brigamos com amor e, em seus últimos dias, tinha uma única preocupação na cabeça, a de que a família ficasse unida dando continuidade ao seu legado. É o que faremos!

Descanse em paz, estamos bem, como sempre desejou e graças a você, meu avô.

Ana Oliva é presidente do Conselho Administrativo da Astra e neta do Dr. Francisco de Assis Cechelli Oliva, um dos fundadores da empresa, que faleceu no dia 27 de novembro de 2014.


Texto originalmente publicado no boletim Nosso Jornal, direcionado para os colaboradores da Astra S/A

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