Dr.
Oliva, avô
por Ana Oliva
A
lembrança mais antiga que tenho de meu avô é de quando eu era bem pequena, com
uns três anos de idade. Pode soar estranho para quem me conhece e sabe o que
ele significa na minha vida, mas ele se divertia fazendo cara de sério e me
vendo correr atrás de minha avó gritando, “Vavá! Vavá!”, com medo dele.
Engraçado como hoje enxergo nessa brincadeira uma de suas primeiras
demonstrações de amor e também de como nós cresceríamos cúmplices um do outro.
Sempre
que alguém me pede para falar do “Dr. Oliva”, disparo sem pensar: “ele foi
professor, herói, confidente, psicólogo, porto seguro, amigo, guru”. Pode
parecer exagero de neta apaixonada, mas a verdade é que devo a ele grande parte
de minha formação moral, ética, familiar e emocional. Para cada um desses
títulos, tenho várias histórias a contar, posso passar horas falando sobre ele,
sempre com olhos marejados por uma saudade recente e ainda difícil de suportar,
mas também com um sorriso de quem aproveitou sua presença.
O
avô herói tentou salvar minha vida quando eu era criança. Todo final de ano,
nossa família passava uns dias na praia de Juqueí, e nós adorávamos pegar
jacaré. Um dia, a onda me levou e ele – que nem sabia nadar direito – mergulhou
e tentou me tirar de lá, mas foi levado junto pela correnteza. Sorte que nos
puxaram do mar rapidamente, mas meu avô acabou pegando pneumonia.
O
professor me ensinou de tudo. Na escola, história, geografia e principalmente,
matemática. Era rigoroso e não me deixava decorar nada, nem a tabuada. “Tem que
aprender por dedução”, dizia. Mas esse não foi seu maior ensinamento, claro.
Sempre trabalhou duro e tinha o cuidado de não nos deixar perder de vista o
valor das coisas. Passar de ano era obrigação. Presentes, só no Natal,
aniversário e quando voltava de viagem. Eu sonhava com as caixas de lápis de
cor que costumava trazer.
Ele
sempre nos deu liberdade e respeitava nosso jeito de ser. Os filhos e netos
eram tratados igualmente, e esse senso de justiça foi sem dúvida uma de suas
marcas. Preocupava-se com nossa formação nos mínimos detalhes, o que nem sempre
nos deixava felizes. Costumávamos passar alguns finais de semana em São Paulo,
mas enquanto a gente queria comer no Dunkin’ Donuts e brincar no Playcenter,
ele nos levava a restaurantes e museus. O divertido mesmo era ficar no hotel,
no centro da cidade. Uma vez, perderam nossa reserva e o gerente colocou toda a
família num quarto enorme, foi uma festa.
Eu
e meu irmão Paulo adorávamos brincar no escritório dele, foi assim que começou
nossa vida de “executivos”. Paulo era o meu avô e eu, sua secretária. Só quando
nossa irmã mais nova Rita cresceu é que passou a fazer parte da brincadeira, no
papel de faxineira. Ela ficava chateada quando nós a demitíamos. Hoje penso no
quanto meu avô repetia que a grande riqueza é criar empregos, uma ironia
engraçada quando lembro dessa época.
Eu
achava o máximo visitar a fábrica, era fascinada em ver os tanques de lavar
roupa, achava aquilo lindo. Fui até fotografada quando criança dentro das
banheiras para catálogo de produtos da Astra. Com espuma na cabeça, claro, só
queria se fosse assim.
Já
adulta, comecei a seguir os passos do meu avô. Logo cedo, aos 17 anos, ele me
fez aprender contabilidade “da vida real” trabalhando numa loja, em Jundiaí.
Durante a faculdade, fui trabalhar no mercado financeiro em São Paulo, contra a
sua vontade, até brigou comigo por um tempo. Depois quis fazer MBA fora, mas
ele não deixou, sempre quis a família por perto, e hoje eu o agradeço por isso.
Talvez
esse seja meu maior agradecimento, o de me manter por perto. Ele esteve ao meu
lado nos momentos mais importantes de minha vida. Sempre forte, sempre
presente, sempre ouvindo e me mostrando mais do que conseguia enxergar. O “Dr.
Oliva” de tantos foi único para mim. Um grande homem para fora, mas aqui
dentro, ele ocupou todos os espaços possíveis. Chorou ao meu lado, rimos muito
juntos, brigamos com amor e, em seus últimos dias, tinha uma única preocupação
na cabeça, a de que a família ficasse unida dando continuidade ao seu legado. É
o que faremos!
Descanse em paz, estamos bem, como
sempre desejou e graças a você, meu avô.
Ana Oliva é presidente
do Conselho Administrativo da Astra e neta do Dr. Francisco de Assis Cechelli
Oliva, um dos fundadores da empresa, que faleceu no dia 27 de novembro de 2014.
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